quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

103-Corpos Numéricos e a Duplicação do Cubo




Neste artigo veremos o conceito de corpo numérico aplicado na demonstração da impossibilidade da duplicação do cubo com instrumentos euclidianos. 


Corpo Numérico

Definição. Corpo numérico é qualquer conjunto com a propriedade de fechamento em relação às quatro operações fundamentais: soma, diferença, produto e quociente, excetuando-se, é claro, a divisão por zero. 
Simbolicamente, se o conjunto é um corpo numérico e dados quaisquer e temos,  por definição,
, para


ou seja, a propriedade de fechamento indica que o resultado do uso das operações racionais entre quaisquer elementos de recairá sobre , de forma que um corpo numérico é auto-suficiente para tais operações.
Exemplos. O conjunto dos números racionais , o conjunto dos números reais e o conjunto dos números complexos. Estes são os exemplos mais conhecidos. Adiante, veremos diversos outros.

Como , então é um subcorpo de e é um subcorpo de .

Aqui, pode-se pensar que subconjunto numérico e subcorpo numérico são sinônimos. No entanto, nem todo conjunto é um corpo numérico, por exemplo, , e (conjunto dos números irracionais ) não são. Neste último caso, basta observar emas,.


Construção Geral dos Corpos Numéricos com Extração de Raíz Quadrada


Mostraremos agora outros exemplos de corpos numéricos ( subcorpos dos primeiros apresentados ), menos categóricos, mas importantes no estudo das construções geométricas com régua e compasso.

Teorema. Se é um corpo numérico, ,,, mas com e seé um elemento do conjunto definido por

  então é outro corpo numérico.


Demonstração. O que queremos provar é que, dados dois elementos arbitrários de , por exemplo 




então os resultados de , , e ()  pertencem à  e basta mostrar que todos podem ser reduzidos ao formato padrão . Se não, vejamos, 


  

 

 


o que prova o teorema .

O exemplo mais conhecido de construção de um corpo por outro corpo é quando e é a unidade imaginária. Neste caso, é o conjunto ou o grande corpo dos números complexos.  Veremos a seguir que podemos construir corpos numéricos a partir do conjunto dos racionais, onde e , com .


Corpos Numéricos a Partir dos Racionais


Para o estudo das construções geométricas, podemos usar o corpo numérico inicial , o conjunto dos números racionais e para algum número positivo , façamos o número estranho inicial , de forma que , mas .

Assim, podemos construir uma cadeia de corpos numéricos, nos moldes do teorema visto, ou seja.

 
.............................................................................................................................




Nesta cadeia, verifica-se . Por exemplo, para , temos . A maneira operacional de ver que o corpo (números racionais) está contido em qualquer é pegar qualquer elemento não nulo deste corpo, por exemplo, e, através da operação divisão fazer . Em seguida, através da operação soma algébrica (), construir todos os números inteiros . E, finalmente, usando novamente a divisão, construir todos os numeros racionais.


Construções Geométricas com Régua e Compasso-A Duplicação do Cubo




A construção geométrica com régua e compasso fora um dos assuntos prediletos da geometria grega clássica . Procurava-se resolver problemas matemáticos por intermédio de desenhos geométricos. A régua era utilizada apenas como apoio para traçar retas e não para medir distâncias ( régua não graduada ).

Assim como na álgebra temos termos conhecidos ( constantes ) e desconhecidos ( incógnitas ), na construção geométrica temos os  segmentos conhecidos ou dados e os segmentos desconhecidos que são procurados. Trata-se, então, de estabelecer uma relação (equação) entre os comprimentos dos segmentos conhecidos com os desconhecidos. Finalmente, devemos determinar se a solução para este problema pode ser obtida por processos algébricos que correspondam a uma construção geométrica com régua e compasso.

Para simplificar, seja um segmento dado e um segmento procurado . No caso da duplicação do cubo, representa a aresta de um cubo e a aresta de um segundo cubo cujo volume seja o dobro do primeiro.


Os antigos gregos foram excelentes construtores geométricos e tiveram sucesso na resolução de inúmeros problemas, por mais complexos ou revestidos de sofisticação que fossem. Mas, a trissecção angular, a duplicação do cubo e a quadratura do círculo, que ficaram conhecidos como os três famosos problemas gregos, se revelaram problemas de grande envergadura. De fato, tais questões são insolúveis nas condições impostas. Neste caso, a beleza da matemática não se encontra na resolução, mas na prova da impossibilidade, de forma que se cesse, de uma vez por todas, a busca das hipotéticas soluções.

Na seção anterior, usei o termo construção numérica em um sentido semelhante ao de construção  geométrica com régua e compasso. De fato, fornecidos dois segmentos de comprimentos e , com os instrumentos euclidianos podemos fazer construções ( outros segmentos ) que representem os resultados das operações fundamentais , , , e com uma combinação destas operações, podemos construir qualquer elemento ( corpo numérico dos números racionais ). Podemos construir também a raíz quadrada de um não-quadrado perfeito o  que possibilita a construção dos corpos numéricos , , ..., .


A Duplicação do Cubo e a Teoria dos Corpos Numéricos

Equacionando o problema da duplicação, temos .  Suponha , logo é a medida do segmento procurado. A princípio, parece que o problema não tem solução mesmo porque com régua e compasso só podemos fazer operações de soma, diferença, produto, divisão e extração de raíz quadrada , mas não de raíz cúbica em sua forma simples. Mas o que pode nos garantir que não possa estar contido em algum corpo sob uma elocubrada forma, como por exemplo

???

É necessário provar que não pertence a nenhum corpo numérico feito com estas cinco operações, que, como já vimos, todos os elementos são construtíveis.

Sabemos que , por ser irracional. Logo, se este número for construtível, ele deve pertencer à algum  corpo numério de índice . Então tem que ser da forma . Lembrem-se que , mas , sendo que é o corpo anterior no qual estão contidos e .


A Duplicação do Cubo é Impossível-Demonstração


O valor do nosso segmento procurado certamente é raiz ou zero da função definida por

  (1)

Seja , um corpo numérico de ordem , o domínio desta função, ou seja, . Observem que o segundo membro ocorre apenas operações fundamentais ( no caso, produto e diferença ). Desta forma, já que também , temos que a imagem ou valores de estão contidos em , pela propriedade principal (fechamento) dos corpos numéricos.

 Concluimos que (2) e (3), com

,

 
O próximo passo da demonstração é colocar os parâmetros e de em função dos parâmetros e de . Substituindo (2) e (3) em (1), obtemos: 


 


  

 

 


 Observem agora que, nas expressões para e , se trocamos por , temos

 
  

De forma que


  (4) 

Supondo o zero de ,  temos que


 



Mas como , isto implicaria que e sabemos que apenas ( ). 

Logo, para só nos resta concluir que . Decorre imediatamente que e por sua vez isto implica que [veja (4) ] é também zero de

A última etapa  é mostrar que os dois zeros são diferentes, ou seja, . De fato, pois e esta expressão se anulará apenas se . Mas então, o que contraria nossa hipótese inicial de que . Para manter tal hipótese, aceitaremos que  mas aí vem outro absurdo pois possui uma única raiz real sendo que as outras  duas são imaginárias.

Logo, não se sustenta em nenhum corpo , portanto, é um número não-construtível e a duplicação do cubo é impossível com os instrumentos euclidianos.





Referência bibliográfica: 

O que é a Matemática?, de Richard Courant e Herbert Robbins, Editora Ciência Moderna, .    
 
Imagens:

http://www.faroldenoticias.com.br/site/opiniao-retrospectiva-ou-uma-viagem-por-dentro-de-serra-talhada/rodin-o-pensador/
http://lapiscompanhia.com/index.php?cPath=27
http://jcverdadeverdadeira.blogspot.com.br
http://picapauavancado.blogspot.com.br/
http://pt.wikipedia.org/wiki/Duplica%C3%A7%C3%A3o_do_cubo


6 comentários:

  1. Parabéns pelo post. Não conhecia esta prova que é aliás muito interessante. Isto mostra que um problemaa antigo foi inspiração para criar uma teoria nova, a teoria dos corpos numéricos. O problema da trissecção e da quadratura do círculo também podem ser resolvidos por esta teoria?

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    1. Obrigado, Paulo!

      Na verdade os corpos numéricos são uma subteoria da teoria dos grupos de Galois. Estes corpos são chamados de grupos abelianos comutativos. Um dia vou dominar por completo este assunto e postarei a prova da impossibilidade algébrica da resolução das equações polinomiais de grau [;>4;].

      A trissecção angular também é vencida pelos corpos numéricos, mas tem algumas etapas sugeridas na demonstração do livro de referência que preciso compreender e completar.

      A quadratura do círculo, como sabemos, é um problema mais avançado da Análise, pois trata-se da transcedência do [;\pi;]

      Valeu!

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  2. Oi Teixeira! Certa vez um professor do cursinho me deu um problema de construção com régua e compasso e confessou que não o conseguia resolver. Lutei contra o bicho uns quatro anos, estudando, perguntando, perguntei até para a tradutora (ou uma das)do livro "História da Matemática" Elza F. Gomide. Num belo dia percebi que se eu resolvesse o problema eu teria dividido um ângulo dado no problema em três partes iguais, logo o problema era insolúvel. Ah! Parabéns! Seu Blog, devagarinho, está chegando à excelência.

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  3. Oi, Tavano!

    Noutro dia foi o teorema de Morley e agora a trissecção angular? Realmente, seus ex-professores queriam testar o seu limite!

    Aquele teorema que diz que "Se uma equação cúbica de coeficientes racionais não possui nenhuma raíz racional, então não possui nenhuma raíz costrutível" é demonstrável pelo conceito de corpos numéricos.

    Obrigado e até mais!

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  4. comecei a pagar álgebra linear e estou vendo corpos numéricos, espaço vetorial esses assuntos, só que em corpos numéricos tenho dificuldade de provar e entender. tem algum conselho, caminho que possa me indicar pra aprender mais rápido esse assunto?

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  5. Oi, PRicardo!

    Digo que não existe caminho mágico para o aprendizado da matemática. A primeira coisa a ter é gostar muito. Depois são vários leituras e cálculos e mais leituras e mais cálculos.

    Antes de fazer este post, não sabia muita coisa de corpos numéricos. Inclusive, demorei para entender a demonstração que é a condição que uso para postar alguma (entendê-la).

    Valeu, um abraço!

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