segunda-feira, 5 de março de 2012

022-O Teorema Fundamental da Álgebra

A QUANTIDADE DE RAÍZES DE UMA EQUAÇÃO POLINOMIAL

Leonhard Euler ( [;1707-1783;] ), através de seu domínio pioneiro sobre os números complexos, demonstrou que qualquer número real [;a;] tem exatamente [;n;] raízes enésimas complexas. Fazendo [;x=\sqrt[n]{a};], temos a equação polinomial equivalente [;x^n-a=0;], que possui exatamente [;n;]raízes em [;U=\mathbb{C};] ( neste caso simples, o conceito de raíz enésima de um número e o conceito de raíz de uma equação se mesclam ). Saber sobre a quantidade de raízes desta equação foi possível neste caso através da resolução direta, ou seja, da extração efetiva das raízes enésimas de [;a;]. No entanto, a equação polinomial geral [;P(x)=;] [;a_nx^n+a_{n-1}x^{n-1}+...+a_1x+a_0=0;] só é resolúvel algebricamente até o [;4^o;] grau. Como mostrar que ela também possui [;n;]raízes complexas? Era necessário achar um processo indireto de prova. Resolveu esta questão aquele que, na sua tese de doutorado, demonstrou de maneira cabal o Teorema Fundamental da Álgebra: o matemático alemão Carl Friedrich Gauss ( [;1777-1855;] ).

O TEOREMA FUNDAMENTAL DA ÁLGEBRA ( [;TFA;])

Este teorema, que é o mais importante alicerce da álgebra, diz que toda equação polinomial de coeficientes reais ou complexos tem, no campo complexo, pelo menos uma raiz.

Mas, pelo que estudamos em álgebra, se uma equação polinomial [;P(x)=0;] admite uma raíz [;x=x_1;] , então o primeiro membro é divisível por [;(x-x_1);]. Logo,

[;P(x)=(x-x_1)Q(x);]

onde [;Q(x);] é um polinômio de grau [;n-1;]. Por sua vez, pelo [;TFA;], [;Q(x);] também possui pelo menos uma raiz complexa, assim, [;Q(x)=(x-x_2)Q^'(x);] e

[;P(x)=(x-x_1)(x-x_2)Q^'(x);]

Continuando com este raciocínio, para uma equação [;P(x)=0;] de grau [;n;], obtemos a fatotação

[;P(x)=(x-x_1)(x-x_2)(x-x_3)...(x-x_n);]

Conclusão: o [;TFA;] também implica em afirmar que toda equação polinomial de coeficientes reais ou complexos tem, no campo complexo, exatamente [;n;] raízes, sendo [;n;] o grau da equação.

 A DEMONSTRAÇÃO

A demonstração de Gauss, do [;TFA;], foi inquestionável,eclipsando uma tentativa de demostração anterior dado por Jean d'Alembert ( [;1717-1783;]) - matemático de tão grande reputação na época que era conhecido como o Newton da França - cuja "prova" foi rotulada pelo primeiro como "insatisfatória e ilusória". E como se não bastasse, Gauss posteriormente forneceu mais [;3;] demonstrações por métodos diferentes, todas bastante difíceis. Esta evidência esmagadora do intelecto superior de Gauss neste e em outros trabalhos o classificou como o "Príncipe dos Matemáticos".

Quando um caminho tortuoso é desbravado, logo surgem atalhos em bifurcações. A prova que postarei a seguir é devida ao francês Augustin Cauchy ([;1789-1857;]) ( que a conseguiu talvez para defender a honra da França ), a mais simples disponível.

Para entender a demonstração, basta o conhecimento de ensino médio relativo ao desenvolvimento do binômio de newton; operações com polinômios, operações com números complexos, representação geométrica / trigonométrica de  números complexos e desigualdades modulares.

No Plano de Gauss visto no diagrama, o ponto [;A;] representa o número complexo [;z_0;]  e o ponto [;B;] representa um número complexo nas imediações ( ao redor ) de [;z_0;]. Seja [;P(x);] uma função polinomial de coeficientes complexos. Considere [;z_0;] de tal forma que o módulo de [;P(z_0);] seja mínimo. Neste caso, ou [;|P(z_0)|=0;] ou [;|P(z_0)|>0;] porque o módulo de um número é sempre [;\geq 0;]. Representando [;|P(z_0)|=\mu;], temos que [;|P(z)| \geq \mu;] porque, por hipótese, [;\mu;] é mínimo.

A demostração será por contradição. Primeiro supomos que [;\mu >0;], mas como veremos adiante, isto implicará [;|P(z)|< \mu;], uma contradição. Logo, só restará [;|P(z_0)|=\mu = 0;], garantindo que a equação polinomial [;P(x)=0;] tenha pelo menos a raiz [;x=z_0;].

Prosseguindo, seja [;\delta = z-z_0;]. Logo, ( ver diagrama ) [;\delta=\alpha + \beta i;], com [;\alpha=r.cos \theta;] e [;\beta=r.sen \theta;]. Assim, [;\delta=r(cos \theta + isen \theta);].

No polinômio [;P(x)=a_0x^n+a_1x^{n-1}+...+a_{n-1}x+a_n;], [;P(z)=P(z_0+\delta);] cujo desenvolvimento é 

[;P(z_0+\delta)=a_0(z_0+\delta)^n+a_1(z_0+\delta)^{n-1}+...+a_{n-1}(z_0+\delta)+a_n=;]

[;=a_0z_0^n+a_0 {n \choose 1}z_0^{n-1}\delta+...+a_0 {n \choose {n-1}}z_0\delta^{n-1}+a_0\delta^n+;]

[;+a_1z_0^{n-1}+a_1 {{n-1} \choose 1}z_0^{n-1}\delta+...+a_1 {{n-1} \choose {n-2}}z_0\delta^{n-2}+a_1\delta^{n-1}+;]

[;+;]............................................................................................................[;+;] 

[;+a_{n-1}z_0+a_{n-1}\delta + ;] 

[;+a_n;] 

Observem que os primeiros termos das parcelas são [;a_0z_0^n;],[;a_1z_0^{n-1};],...,[;a_{n-1}z_0;] e [;a_n;]. A redução dos termos semelhantes das potências envolvendo [;\delta;], produzirá os monômios [;b_1\delta;], [;b_2 \delta^2;],...,[;b_n \delta^n;], com coeficientes complexos. É claro que pode acontecer de algum [;b_j;] ser nulo. Usaremos, então apenas os monômios [;b_j \delta^j;], onde [;b_j = c_j \neq 0;] . Portanto, uma melhor representação para eles seria [;c_1 \delta^{d_1};],[;c_2 \delta^{d_2};],...,[;c_k \delta^{d_k};], com [;1 \leq d_k \leq n;] . Resumindo as considerações deste parágrafo, temos 


[;P(z)=P(z_0+\delta);][;=( a_0z_0^n+a_1z_0^{n-1}+...+a_{n-1}z_0+a_n)+ (c_1 \delta^{d_1}+c_2 \delta^{d_2}+...+c_k \delta^{d_k})=;]

[;=P(z_0)+c\delta^d(1+\delta \phi );]


 com [;c=c_1;][;d=d_1;] e

 [;\phi=c^' \delta^{d^'}+c^{''} \delta^{d^{''}}+...+c^{*} \delta^{d^*};]

Lembrem-se que estamos supondo o módulo mínimo [;\mu=|P(z_0)|>0;] e, portanto, [;P(z_0);] é não-nulo e podemos fazer a divisão

[;\frac{P(z_0+ \delta)}{P(z_0)}=\frac{P(z_0)+c \delta^d( 1+ \delta \phi )}{P(z_0)}=1+\frac{c}{P(z_0)} \delta ^d (1+ \delta \phi )=1+s \delta^d(1+ \delta \phi );] , com [;s=\frac{c}{P(z_0)};] 

[;\rightarrow \frac{P(z_0+ \delta)}{P(z_0)}=1+s \delta^d(1+\delta \phi );]

Vamos analisar o produto [;s \delta^d;]formado pelos números complexos  [;s=\frac{c}{P(z_0)}=h(cos w + i sen w );] e [;\delta=r(cos \theta + isen \theta);].

[;s \delta^d=h(cos w + isen w).r^d ( cos d \theta + i sen d \theta ) \Rightarrow ;]

[;s \delta^d=hr^d [ \cos ( w+d \theta ) +isen( w+d \theta )];] 

Considere, agora, o valor de [;z;], das imediações de [;z_0;]   ( ver diagrama ) onde [;\theta = \frac{\pi-w}{d};], ou seja, [;w+d \theta = \pi;] . Substituindo na expressão para [;s\delta^d;] :

[;s \delta^d=hr^d ( cos \pi + i sen \pi ) \Rightarrow s \delta^d = - hr^d;] 

o que implica 

[;\rightarrow \frac{P(z_0+ \delta)}{P(z_0)}=1-hr^d(1+\delta \phi )=1-hr^d-hr^d \delta \phi;]  ou

[;\rightarrow \frac{P(z_0+ \delta)}{P(z_0)}=(1-hr^d)-(hr^d \delta \phi );]

Usando a relação válida para qualquer [;u;] e [;v;] [;\in \mathbb{C};] que diz que [;u \pm v \leq |u|+|v|;], obtemos

 [;\left|\frac{P(z_0+ \delta)}{P(z_0) }\right| \leq|(1-hr^d)|+|(hr^d \delta \phi )|;]

No círculo do diagrama, tomamos um valor adequado para o raio [;r;] de forma que [;|1-hr^d|=1-hr^d;] e  sabendo que [;|\delta|=r;], temos [;|hr^d \delta \phi|=hr^d |\delta|| \phi|=hr^dr |\phi|=hr^{d+1} \|\phi|;]. Logo, para aquele valor adequado de raio,

[;|(1-hr^d)|+|(hr^d \delta \phi )|=(1-hr^d)+ (hr^{d+1} \|\phi|);]  [;\Rightarrow;]

[;\left|\frac{P(z_0+ \delta)}{P(z_0) }\right| \leq1-[(hr^d)- (hr^{d+1} \|\phi|)];]

Repare que, em se tratando de módulos, operamos com números reais.

Agora, para [;r;] suficientemente pequeno teremos [;hr^{d+1}< hr^d;] e consequentemente

[;\left|\frac{P(z_0+ \delta)}{P(z_0) }\right| < 1;] 

E isto implica em [;\frac{|P(z_0+ \delta)|}{|P(z_0)| }< 1 \Rightarrow |P(z_0+\delta)| < |P(z_0)| \rightarrow |P(z)| < \mu;]

Mas isto é uma contradição à hipótese de que o módulo [;|P(z_0)|= \mu;] é mínimo. A causa desta contradição foi supor que [; \mu > 0;]. Logo, como [;\mu \geq 0;], só nos resta [;|P(z_0)|= \mu = 0;].

Assim [;P(x)=0;], de grau [;n;] , tem pelo menos uma raiz complexa [;x=z_0;], o que implica, como já vimos, que esta equação tem [;n;]raízes em [; \mathbb{C};] .



BIBLIOGRAFIA  

- O Romance das Equações Algébricas - A História da Álgebra, de Gilberto G.Garbi, MAKRON Books, 1997; 
- História da Matemática, de Carl B.Boyer, Editora Edgard Blücher LTDA, 1974.


12 comentários:

  1. Olá, Aloísio!!!!

    Parabéns, por tão interessante e importante demonstração para os fundamentos do cálculo algébrico!!!!

    Postagem muito bem elaborada e a sua didática na demonstração nos conduz para um completo entendimento do assunto e tópico abordado, o TFA. Show de bola, com gol de placa!!!!

    Me diz, se isso resolveria aquele meu desafio da... "visão de raios-x"????

    Já fiz a colocação de uma logomarca provisória (mudarei qd você criar uma) do seu blog na minha lista de parceiros e coloquei a minha foto na cx de seguidores!!! Certo, parceiro???? Até breve!!!!

    Um abraço!!!!!

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  2. Grande Valdir!

    Não imagina o trabalho que tive para fazer este post! Tive que ler e refazer no papel várias vezes a demonstração do TFA até que se tornasse uma segunda natureza. Só assim pudia ter confiança para transmiti-lo com minhas palavras.

    Muito obrigado pelo seu parecer favorável e seja bem vindo à "irmandade" rs.

    Será que resolve o seu desafio de raios x? Mas é de existência de raiz ou cálculo da mesma??

    Valeu, um agrande abraço!

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  3. Aloísio! Eu li uma vez bem lentamente, mas acho que preciso ler mais umas 7 vezes para entender todas as passagens. Meu raciocínio às vezes é muito lento, me desculpe. Mas parece ser mais um artigo que será referência na internet. Parabéns!

    Um abraço.

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    1. Oi, Kleber!

      Quando li a demonstração pela primeira vez também me senti perdido. Mesmo porque a demonstração contida no livro "O Romance das Equações Algébricas" queima algumas etapas de desenvolvimento que cheguei a completar no post. Mas mesmo assim, talvez eu poderia ter sido mais claro do que me propus. Obrigado pelo comentário!

      Outro abraço.

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  4. Mas não tenha dúvida que é uma bela demonstração! Como sugestão, poderia demonstrar o Teorema Fundamental da Aritmética.

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  5. Oi Teixeira!Apenas como curiosidade. No livro "Dicionário da Matemática Moderna", de origem francesa esse teorema consta com o nome de: Teorema de D'alembert-Gauss(O corpo C dos números complexos é algebricamente fechado). Abçs.

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  6. Olá!
    Eu gostei muito deste post! A demonstração não requer nenhum conhecimento de Cálculo, excelente para as videoaulas que estou produzindo. Eu encontrei uma demonstração mais simples (de Argand) mas essa demonstração tem um detalhe que requer conhecimento de Cálculo. A demonstração de Cauchy é um pouco longa e ruim de entender na primeira leitura, mas acho que consigo torná-la mais clara. Parabéns e continue assim (me ajudou muito!).

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  7. Oi, Anônimo!

    Tem vídeo aulas no youtube? Se tiver, gostaria de vê-las. Inclusive a sua adaptação desta demonstração.

    Obrigado pelo comentário.

    Um abraço!

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    1. As primeiras videoaulas estão quase prontas e o conteúdo do videocurso será somente assuntos matemáticos estudados no ensino médio e, sempre que possível, apresentar as demonstrações de seus teoremas (nada de ensino superior, pelo menos por enquanto) e terão (aliás, têm) o título "Matemática do ensino médio". As publicações das primeiras videoaulas serão em fevereiro de 2013 e a minha adaptação da demonstração de Cauchy do TFA está prevista para ser publicada em novembro de 2013. Espero que você as assista.

      Um abraço!

      PS.: Dá trabalho para fazer os slides! Não garanto nada (rsrsrs).

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    2. Qual seu nome?

      Talvez não precise de slides...Conhece o blog do meu amigo César Rosa?http://matematicafundacao.blogspot.com.br/

      Valeu.

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